quarta-feira, 4 de julho de 2012

Documentos revelam dados sobre prisão e tortura de Dilma Rousseff e outros militantes durante regime militar

Segundo publicação do periódico Correio Braziliense, foram encontrados em uma sala do Conselho Estadual dos Direitos Humanos de Minas Gerais (Conedh-MG), na cidade de Belo Horizonte, documentos que relatam mais de 700 processos de presos políticos, incluindo os da atual presidenta da República, Dilma Rousseff. Os relatos são de outubro de 2001, quando Rousseff ainda era Secretária de Minas e Energia do estado do Rio Grande do Sul, e os depoimentos foram dados por Rousseff ao filósofo Robson Sávio Reis Souza, coordenador da Comissão Estadual de Indenização às Vitimas de Tortura (Ceivt) do Conedh-MG, no período que o então ex-presidente da República e governador de Minas Gerais, Itamar Franco, almejava indenizar os presos políticos mineiros. O filósofo declarou, em entrevista ao periódico Folha de S. Paulo, que Rousseff prestou depoimento de cerca de quarenta minutos à Comissão, chorou muito ao relatar as torturas e foi embora cabisbaixa. No relato ela afirma ter passado por sessões de choques, pau de arara, espancamento e outras agressões, ficando com sequelas como a arcada dentária deslocada e um dente que teria sido posteriormente arrancado. Segundo o Correio, a psicóloga e contemporânea de militância de Rousseff, Emely Salazar, confirmou o uso da palmatória no estado de Minas Gerais, onde foi torturada pelo tenente Marcelo Araújo Paixão. Outro ponto ressaltado no depoimento de Rousseff foi o fato de os interrogatórios não serem realizados por militares, os quais apenas acompanhavam. No mesmo depoimento, afirmou que o período passado no cárcere mineiro teria sido o mais duro da época da prisão, pois permaneceu em isolamento, possuindo contato somente com carcereiros e torturadores. De acordo com o Correio, estes são considerados relatos inéditos não somente pelas poucas pronunciações da presidenta sobre as torturas que sofrera, mas também porque não havia registro de que havia sido torturada no estado de Minas Gerais, ficando a situação circunscrita aos estados de São Paulo e Rio de Janeiro. Quando foi encarcerada, Dilma tinha 22 anos e era militante política no setor estudantil do Comando de Libertação Nacional (Colina), que mais tarde fundou a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) e a Vanguarda Armada Revolucionária–Palmares (VAR-Palmares), organizações de luta armada oponentes ao regime militar (1964-1985).  Os documentos avaliados pelo Correio apontam que Rousseff foi transferida em janeiro de 1972 para a cidade de Juiz de Fora, no estado de Minas Gerais e que, segundo os relatos, ela pensava que o motivo da transferência era um julgamento de processo, porém afirmou ter sido torturada. De acordo com o Correio no dia 20/06/12, a identidade do torturador de Rousseff ainda não foi determinada. Em depoimento para o Conedh-MG, em 2011, ela citou “doutor Medeiros” como possível designação de seu torturador, porém afirmou não ter certeza sobre a veracidade do nome, mencionando que o mesmo homem também utilizava o nome Lara, e que outra pessoa fazia o uso do nome Joaquim. Rousseff ainda salientou que existe a possibilidade de que seus torturadores fossem membros do Departamento de Ordem Política e Social (Dops) de Minas Gerais. O jornal destacou que a assinatura que consta no inquérito policial militar (IPM) de Rousseff, concedido sob tortura, é de Octávio Aguiar de Medeiros, um comandante do exército que em 1970 foi comandante do Centro de Preparação de Oficiais da Reserva (CPOR), em Belo Horizonte, e responsável por acabar com o Colina. Medeiros morreu no ano de 2005, e chegou a assumir a chefia do Serviço Nacional de Inteligência (SNI). O Correio inferiu que outra possibilidade de identificar a identidade do torturador de Rousseff é a análise da Carta de Linhares, um documento que descreve a prática de tortura na Delegacia de Vigilância Social, onde funcionava o Dops, na Delegacia de Furtos e Roubos, no 12º Regimento de Infantaria, todos em Belo Horizonte, e na Polícia do Exército do Estado da Guanabara, hoje pertencente ao Rio de Janeiro. Suspeita-se que o redator da carta tenha sido o então dirigente do Colina em Belo Horizonte, Ângelo Pezzuti. Na carta, são descritos cinco nomes de torturadores, sendo um deles Lara Rezende. Ainda segundo o Correio do dia 18/06/12, a principal causa da série de torturas a Roussef na sua passagem pelo cárcere mineiro foi ocasionada após a interceptação de bilhetes trocados com Pezzuti, que se encontrava preso na Colônia Magalhães Pinto, na região metropolitana de Belo Horizonte, planejando uma fuga que envolvia Rousseff. Estes bilhetes foram interceptados e os agentes da repressão passaram a torturá-la em busca de informações sobre a fuga e a infiltração de membros das organizações de esquerda nas forças policiais. O Correio ainda relatou que, apesar das agressões, Rousseff não revelou aos torturadores nenhum detalhe sobre as organizações das quais participou, nem sobre os planos nos quais esteve envolvida. Dilma foi condenada a um ano de prisão no IMP em Minas Gerais por pertencer a uma organização de luta armada. O livro “A vida quer é coragem”, que conta a trajetória de Rousseff, escrito pelo jornalista Ricardo Batista Amaral, revelou que em São Paulo, por ser líder de “esquemas revolucionários”, ela obteve a pena máxima de quatro anos, porém, em novembro de 1972, o Superior Tribunal Militar (STM) reavaliou os processos, fixando um total de dois anos e um mês de detenção. Diferentemente do que foi determinado, Rousseff foi solta após dois anos e dez meses. A presidenta foi a 12ª dos 53 militantes que receberam R$30 mil por reparação de torturas impostas por agentes do Estado durante o regime, depositados em sua conta bancária em 2002. Segundo o promotor de Justiça da cidade de Juiz de Fora e ex-militante do Colina, Antônio Aurélio Silva, que foi relator do processo de indenização da presidenta por Minas Gerais, a inscrição de Rousseff para o recebimento de reparação financeira foi feita sob pressão de sua mãe e do grupo Tortura Nunca Mais. Silva afirmou que “no primeiro momento, Dilma foi contra, mas depois entendeu a importância histórica do ato e acabou colaborando no processo”. Em 2012, Rousseff recebeu do Conedh do estado do Rio de Janeiro a quantia de R$20 mil, os quais anunciou que doará a organização não governamental Tortura Nunca Mais. Segundo o jornal, a presidenta decidiu manter postura reservada com relação aos documentos, e não deseja se pronunciar quanto a nenhum dos fatos relatos, nem quanto a sua prisão. A descoberta do depoimento de Rousseff em Minas Gerais causou grande repercussão e, segundo o deputado Paulo Teixeira, do Partido dos Trabalhadores (PT), este depoimento deve ser encaminhado à Comissão da Verdade, para “investigar a fundo o que ocorreu e a existência de outras vítimas”. O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) do Rio de Janeiro, Wadih Damous, ressaltou que o surgimento de novos depoimentos sobre a tortura da presidenta ressalta a importância que possui a Comissão da Verdade e que “é muito difícil conter a indignação diante dos relatos da presidente Dilma” por apontarem “sofrimentos extraordinários que não encontram paralelo no cotidiano de nossas vidas”. De acordo com editorial do Correio do dia 19/06/12, “espanta” que apenas neste momento o caso da presidente tenha “entrado para a história das torturas” do regime militar, visto que já se sabia das violências que Rousseff havia sofrido. As reportagens sobre esse caso “são evidência da falta que faz ao país a cultura da transparência”.  De acordo com o Correio do dia 22/06/12, a deputada Federal Erika Kokay apresentou requerimento convidado as pessoas que colheram o depoimento de Rousseff no Conedh-MG para que compareçam como convidadas à Subcomissão da Memória, Verdade e Justiça. (Correio Braziliense – 17/06/12; Correio Braziliense – 18/06/12; Correio Braziliense – Política – 19/06/12; Correio Braziliense – Opinião – 19/06/12; Correio Braziliense – 20/06/12; Correio Braziliense – 22/06/12; Folha de S. Paulo – Poder – 18/06/12; Folha de S. Paulo – Poder – 22/06/12; O Estado de S. Paulo – Nacional – 18/06/12)

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