Segundo o jornal
Folha de S. Paulo, juristas brasileiros tem opiniões divididas acerca da Lei da
Anistia (1979), reafirmada pelo Supremo Tribunal Federal em 2010. A questão
ganhou destaque nos últimos meses devido à intenção, por parte de alguns
integrantes da Comissão Nacional da Verdade (CNV), de incluir no relatório
final um pedido de revisão da lei, que permitiria a punição de militares
envolvidos em casos de desaparecimento, tortura e morte durante o regime
militar (1964-1985). Renan Quinalha, mestre em Sociologia do Direito, apontou
que outro fator que tem fomentado a questão da revisão é a estratégia adotada
pelo Ministério Público Federal de apresentar denúncias contra militares com
base na figura jurídica do chamado crime de natureza permanente, em que atos
ilícitos praticados no passado ainda estão em curso, como por exemplo os desaparecimentos. Para Quinalha, "ainda que haja mais
derrotas do que vitórias, [essa tática] serve para colocar a matéria em pauta e
eventualmente criar jurisprudência". O periódico relembrou que, em 2010, a
Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), da Organização dos Estados
Americanos (OEA), condenou o Brasil a punir os responsáveis pelo
desaparecimento de 62 pessoas que participaram da Guerrilha do Araguaia (1972-1974).
Os juízes da Corte alegaram que "as disposições da Lei da Anistia
brasileira que impedem a investigação e sanção de graves violações de direitos
humanos são incompatíveis com a Convenção Americana [da qual o Brasil é
signatário]". O professor emérito da Faculdade de Direito da Universidade
de São Paulo, Dalmo Dallari, afirmou que "a OEA estabeleceu que não há
anistia para crimes contra a humanidade nem autoanistia. Como os militares
ainda estavam no comando quando a lei foi promulgada, ela não tem valor
jurídico". Entretanto, o professor emérito da Universidade Mackenzie, Ives
Gandra, discorda da revisão da lei e afirma “as cortes internacionais só
funcionam nos casos de omissão da Justiça local. A nossa Constituição determina
que lesões de qualquer natureza sofridas aqui devem ser levadas a tribunais
brasileiros. E o STF já definiu sua interpretação”. Além disso, para ele a tese
de crime de natureza jurídica permanente é apenas um “ficção jurídica”. De
acordo com o periódico Correio Braziliense, a Comissão da Verdade do Estado de
São Paulo Rubens Paiva (CV-SP) posicionou-se, no dia 10/06/13, favorável à
revisão da Lei da Anistia (1979). A moção de apoio ocorreu durante um debate
público sobre o não cumprimento da sentença do CIDH. A viúva de Maurício Grabois, ex-dirigente do
Partido Comunista Brasileiro, Crimeia Schmidt de Almeida, ressaltou que "a
conquista dessa sentença tem uma grande abrangência, pois não se limita aos
desaparecidos políticos no Araguaia, mas em todo o Brasil, e exige a punição
dos torturadores". A sentença da CIDH foi lançada em formato de livro pela
CV-SP, com 3 mil exemplares que serão distribuídos gratuitamente. A
coordenadora da CNV, Rosa Maria Cardoso destacou que "se lermos com
atenção, vamos compreender e pensar melhor a respeito da primazia dos direitos
humanos diante da soberania e da prepotência de qualquer Estado”. Cardoso ainda
demonstrou que, “a cada dia, surge uma Comissão ou comitê novo pela
verdade". O jurista Fábio Konder Comparato ressaltou que no direito internacional
não há anistia para crimes contra a humanidade, como tortura ou desaparecimento
forçado de pessoas, sendo o Brasil o único país sul-americano com esta prática.
O procurador da República Marlon Alberto Weichert argumentou que a única forma
de validar a Lei da Anistia brasileira é o Estado se desligar dos órgãos que o
condenaram, como a CIDH: "Teríamos que sair do sistema interamericano de
direitos humanos, o que nenhum país latino-americano fez. Seria um absurdo e
ainda teria efeito pouco prático, pois não haveria influência nas decisões já
proferidas.". O atual ministro do STF, Luís Roberto Barroso, afirmou que a
Lei da Anistia pode ser revista pela corte, que atualmente mudou sua
composição, uma vez que quatro ministros, três dos quais foram favoráveis à
manutenção da lei, se aposentaram. O periódico O Estado de S. Paulo destacou
ainda que Rosa Maria Cardoso defendeu o cumprimento da sentença da CIDH e
mencionou que o Brasil é contraditório por fazer parte de um organismo
internacional e se recusar a cumprir as determinações. Por fim, o jornal
informou que Cardoso mencionou que a CNV não possui uma posição definida quanto
à anistia, e que tal discussão deverá ocorrer ao fim de seus trabalhos, quando
serão debatidas recomendações ao Estado. (Correio Braziliense – 11/06/13; Folha
de S. Paulo – Poder – 10/06/13; O Estado de S. Paulo – Política – 11/06/13)
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