quinta-feira, 6 de junho de 2013

Acirram as discussões sobre a Lei da Anistia


Em editorial, o jornal Folha de S. Paulo afirmou que a proposta para alterar a Lei da Anistia (1979) seria um recorrente equívoco, o qual poderia ter repercussões negativas em vários níveis. Em evento da Comissão Nacional da Verdade (CNV), alguns de seus membros levantaram a questão de inserir no relatório final uma recomendação de revisão da lei. Segundo o jornal, tal ação, além de acentuar divergências internas no grupo, renova a desconfiança de que seus trabalhos sejam baseados em revanchismo, o que aumenta a relutância das Forças Armadas em colaborar com a CNV. A Folha ainda recordou que em 2010 foi confirmado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) o caráter amplo e irrestrito da lei, a qual abrange tanto agentes do Estado, quanto da oposição. De acordo com a Folha, justamente tal caráter da lei teria garantido um processo mais eficiente de democratização do país, na medida em que refreou divisões na sociedade e evitou maiores conflitos. Nesta perspectiva, a anistia, mais do que uma imposição, foi uma garantia para a transição democrática. O jornal publicou colunas com diferentes opiniões sobre o tema. O advogado e membro da CNV, José Paulo Cavalcanti Filho, que é contra a revisão da Lei da Anistia, afirmou que a defesa feita pelo jornal em seu editorial para a manutenção da interpretação da lei tem duas dimensões, uma moral e outra mais complexa, referente à discussão sobre sua revisão. Para ele, três argumentos podem ser levantados a favor da revisão: o fato de que tamanha desumanidade presente nesses crimes os tornem imprescritíveis; que alguns atos cometidos por parte do regime militar (1964-1985) não deveriam ser considerados crimes conexos; e por fim, que se deve aplicar as sentenças dos tribunais internacionais. No entanto, contrário à revisão da lei está o fato de que essa foi criada inicialmente como lei ordinária e elevada em 1985 ao status de regra constitucional, tornando mais difícil o processo de revisão; além do reconhecimento, por parte do STF do seu caráter amplo e geral. Já a coluna opinativa da deputada federal pelo Partido Socialista Brasileiro de São Paulo (PSB-SP) e ex-prefeita da cidade, Luiza Erundina de Souza, evidenciou seu empenho favorável à revisão da Lei de Anistia. A deputada argumentou que seu projeto de lei não é referente à mudança da Lei da Anistia, mas sim a uma nova interpretação de seu artigo 1º, parágrafo 1º, que define como crimes conexos os crimes políticos, “ou praticados por motivações políticas”. Ela defende que “não se incluem entre os crimes conexos, definidos no art. 1º § 1º da lei nº 6.683/1979, os crimes cometidos por agentes públicos, militares ou civis, contra pessoas que, de modo efetivo ou suposto, praticaram crimes políticos". A aprovação de tal projeto seria a efetivação do cumprimento da sentença condenatória proferida contra o Brasil pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) em 24/11/10. Erundina recordou que no período em que a lei foi decretada os militares ainda se encontravam no poder, logo, não seria válida a afirmação de que uma revisão da mesma seria inútil por essa já ter sido amplamente discutida na época de sua criação. Seu projeto de lei está atualmente na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados aguardando votação. Segundo Erundina, a discussão referente à lei se encontra presente na sociedade atual, principalmente em órgãos como a CNV e os Comitês Memória, Verdade e Justiça, os quais se posicionaram favoráveis à aprovação do seu projeto. Ao longo da semana colunistas do jornal Folha de S. Paulo se posicionaram a respeito da Lei de Anistia. Vladimir Safatle afirmou que a CNV começou a “desmontar antigas mentiras veiculadas pelo regime militar” e mencionou que a questão da anistia negociada com a sociedade foi uma “farsa”, assim como a própria lei, pelo fato de não ter existido nenhuma negociação e sim a imposição pelos militares, que pretendiam se “autoanistiar”. Safatle ainda afirmou que o projeto de lei era ilegítimo e que “passou na votação do Congresso por 206 votos contra 201”. Para Safatle, “a Lei da Anistia consegue, assim, a proeza de ser, ao mesmo tempo, ilegítima na sua origem e desrespeitada exatamente pelos que a impuseram”. Em sua opinião, a lei beneficiou apenas os militares, uma vez que os opositores do regime que se encontravam presos ao tempo de sua promulgação, ali continuaram até a redução de suas penas. Em contraposição, o colunista Jânio de Freitas mencionou que, segundo Cavalcanti Filho, a Lei da Anistia não deve ser revista, concordando com a visão no âmbito jurídico. Freitas ainda destacou que “impor a superação da anistia, sem mais considerações, aplacará a justa indignação e restabelecerá o respeito por valores nela negados, mas essenciais”, porém tal prática pode tender a inverter as direções acusatórias. O articulista Hélio Schwartsman analisou a discussão em torno da revisão da Lei da Anistia e afirmou ser a favor da identificação e julgamento dos responsáveis pelas violações de direitos humanos ocorridas durante o regime militar, uma vez que “os grupos de esquerda nunca ameaçaram seriamente o "statu quo" e, sob o prisma das leis cunhadas pelos próprios governantes, militantes capturados eram presos comuns que estavam sob a guarda do Estado e deveriam ter sua integridade física respeitada”. Para Schwartsman, ao contrário do que afirmou o STF, a Lei da Anistia não foi negociada, mas sim imposta por aqueles que estavam no poder. Entretanto, o colunista não crê que os responsáveis pelas violações devem ser presos, pois “punições que chegam 40 anos depois dos fatos já não atingem os autores dos delitos, mas encontram pessoas totalmente distintas, tanto em suas células como em suas ideias”. Mas acredita que um julgamento possa esclarecer tudo que ocorreu naquele período. Por fim, Paulo Vannuchi, candidato brasileiro a uma das três vagas na Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), afirmou que os responsáveis por mortes e torturas ocorridas no regime militar devem ser punidos, e que para isto não é necessário revogar a Lei de Anistia. O ex-ministro da Secretaria dos Direitos Humanos do governo de Luiz Inácio Lula da Silva afirmou, segundo a Folha, que “o que se deve fazer é oferecer ao Supremo [Tribunal Federal] todas as chances de rever sua posição”. Ademais, Vannuchi defendeu, segundo o periódico, que a prisão dos responsáveis por tais crimes é dispensável, e que as sanções devem ocorrer na área civil. (Folha de S. Paulo – Opinião – 25/05/13; Folha de S. Paulo – Opinião – 28/05/13; Folha de S. Paulo – Política – 28/05/13; Folha de S. Paulo – Poder – 29/05/13; Folha de S. Paulo – Opinião - 31/05/13)

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