Em editorial, o jornal Folha de S. Paulo afirmou
que a proposta para alterar a Lei da Anistia (1979) seria um recorrente
equívoco, o qual poderia ter repercussões negativas em vários níveis. Em evento
da Comissão Nacional da Verdade (CNV), alguns de seus membros levantaram a
questão de inserir no relatório final uma recomendação de revisão da lei.
Segundo o jornal, tal ação, além de acentuar divergências internas no grupo,
renova a desconfiança de que seus trabalhos sejam baseados em revanchismo, o
que aumenta a relutância das Forças Armadas em colaborar com a CNV. A Folha
ainda recordou que em 2010 foi confirmado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) o
caráter amplo e irrestrito da lei, a qual abrange tanto agentes do Estado,
quanto da oposição. De acordo com a Folha, justamente tal caráter da lei teria
garantido um processo mais eficiente de democratização do país, na medida em
que refreou divisões na sociedade e evitou maiores conflitos. Nesta
perspectiva, a anistia, mais do que uma imposição, foi uma garantia para a
transição democrática. O jornal publicou colunas com diferentes opiniões sobre
o tema. O advogado e membro da CNV, José Paulo Cavalcanti Filho, que é contra a
revisão da Lei da Anistia, afirmou que a defesa feita pelo jornal em seu
editorial para a manutenção da interpretação da lei tem duas dimensões, uma
moral e outra mais complexa, referente à discussão sobre sua revisão. Para ele,
três argumentos podem ser levantados a favor da revisão: o fato de que tamanha
desumanidade presente nesses crimes os tornem imprescritíveis; que alguns atos
cometidos por parte do regime militar (1964-1985) não deveriam ser considerados
crimes conexos; e por fim, que se deve aplicar as sentenças dos tribunais
internacionais. No entanto, contrário à revisão da lei está o fato de que essa
foi criada inicialmente como lei ordinária e elevada em 1985 ao status de regra
constitucional, tornando mais difícil o processo de revisão; além do
reconhecimento, por parte do STF do seu caráter amplo e geral. Já a coluna
opinativa da deputada federal pelo Partido Socialista Brasileiro de São Paulo
(PSB-SP) e ex-prefeita da cidade, Luiza Erundina de Souza, evidenciou seu
empenho favorável à revisão da Lei de Anistia. A deputada argumentou que seu
projeto de lei não é referente à mudança da Lei da Anistia, mas sim a uma nova
interpretação de seu artigo 1º, parágrafo 1º, que define como crimes conexos os
crimes políticos, “ou praticados por motivações políticas”. Ela defende que
“não se incluem entre os crimes conexos, definidos no art. 1º § 1º da lei nº
6.683/1979, os crimes cometidos por agentes públicos, militares ou civis,
contra pessoas que, de modo efetivo ou suposto, praticaram crimes
políticos". A aprovação de tal projeto seria a efetivação do cumprimento
da sentença condenatória proferida contra o Brasil pela Corte Interamericana de
Direitos Humanos (CIDH) em 24/11/10. Erundina recordou que no período em que a
lei foi decretada os militares ainda se encontravam no poder, logo, não seria
válida a afirmação de que uma revisão da mesma seria inútil por essa já ter
sido amplamente discutida na época de sua criação. Seu projeto de lei está
atualmente na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados
aguardando votação. Segundo Erundina, a discussão referente à lei se encontra
presente na sociedade atual, principalmente em órgãos como a CNV e os Comitês
Memória, Verdade e Justiça, os quais se posicionaram favoráveis à aprovação do
seu projeto. Ao longo da semana colunistas do jornal Folha de S. Paulo se
posicionaram a respeito da Lei de Anistia. Vladimir Safatle afirmou que a CNV começou
a “desmontar antigas mentiras veiculadas pelo regime militar” e mencionou que a
questão da anistia negociada com a sociedade foi uma “farsa”, assim como a
própria lei, pelo fato de não ter existido nenhuma negociação e sim a imposição
pelos militares, que pretendiam se “autoanistiar”. Safatle ainda afirmou que o
projeto de lei era ilegítimo e que “passou na votação do Congresso por 206
votos contra 201”. Para Safatle, “a Lei da Anistia consegue, assim, a proeza de
ser, ao mesmo tempo, ilegítima na sua origem e desrespeitada exatamente pelos
que a impuseram”. Em sua opinião, a lei beneficiou apenas os militares, uma vez
que os opositores do regime que se encontravam presos ao tempo de sua
promulgação, ali continuaram até a redução de suas penas. Em contraposição, o
colunista Jânio de Freitas mencionou que, segundo Cavalcanti Filho, a Lei da
Anistia não deve ser revista, concordando com a visão no âmbito jurídico.
Freitas ainda destacou que “impor a superação da anistia, sem mais
considerações, aplacará a justa indignação e restabelecerá o respeito por
valores nela negados, mas essenciais”, porém tal prática pode tender a inverter
as direções acusatórias. O articulista Hélio Schwartsman analisou a discussão
em torno da revisão da Lei da Anistia e afirmou ser a favor da identificação e
julgamento dos responsáveis pelas violações de direitos humanos ocorridas
durante o regime militar, uma vez que “os grupos de esquerda nunca ameaçaram
seriamente o "statu quo" e, sob o prisma das leis cunhadas pelos
próprios governantes, militantes capturados eram presos comuns que estavam sob
a guarda do Estado e deveriam ter sua integridade física respeitada”. Para
Schwartsman, ao contrário do que afirmou o STF, a Lei da Anistia não foi
negociada, mas sim imposta por aqueles que estavam no poder. Entretanto, o
colunista não crê que os responsáveis pelas violações devem ser presos, pois
“punições que chegam 40 anos depois dos fatos já não atingem os autores dos
delitos, mas encontram pessoas totalmente distintas, tanto em suas células como
em suas ideias”. Mas acredita que um julgamento possa esclarecer tudo que
ocorreu naquele período. Por fim, Paulo Vannuchi, candidato brasileiro a uma
das três vagas na Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização
dos Estados Americanos (OEA), afirmou que os responsáveis por mortes e torturas
ocorridas no regime militar devem ser punidos, e que para isto não é necessário
revogar a Lei de Anistia. O ex-ministro da Secretaria dos Direitos Humanos do
governo de Luiz Inácio Lula da Silva afirmou, segundo a Folha, que “o que se
deve fazer é oferecer ao Supremo [Tribunal Federal] todas as chances de rever
sua posição”. Ademais, Vannuchi defendeu, segundo o periódico, que a prisão dos
responsáveis por tais crimes é dispensável, e que as sanções devem ocorrer na
área civil. (Folha de S. Paulo – Opinião – 25/05/13; Folha de S. Paulo –
Opinião – 28/05/13; Folha de S. Paulo – Política – 28/05/13; Folha de S. Paulo
– Poder – 29/05/13; Folha de S. Paulo – Opinião - 31/05/13)
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