terça-feira, 17 de abril de 2012

Investigações sobre o regime militar brasileiro I: os debates sobre o período e sobre os trabalhos da Comissão da Verdade

Por ocasião do quadragésimo oitavo aniversário do início do regime militar brasileiro (1964-1985), ocorrido no dia 31/03/2012, os jornais publicaram editoriais, colunas e matérias em celebração à restauração da democracia e retomaram os debates em torno dos trabalhos das comissões formadas pelo governo federal para investigação dos crimes de tortura ocorridos naquele período. O Correio Braziliense em editorial advogou pelo rápido início das atividades da Comissão da Verdade e argumentou que o adiamento de tais investigações significaria resistência ao poder civil e afronta à democracia. A coluna se posicionou a favor da verdade e da transparência nos trabalhos, mencionando a pressão da sociedade brasileira e internacional pela urgência e lisura nas investigações. Como exemplos, os episódios do protesto em frente ao Clube Militar no Rio de Janeiro no dia 29/03/12, a condenação que o Brasil recebeu da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) para investigar e punir os responsáveis pelos desaparecimentos na Guerrilha do Araguaia (1972-1975), e o novo processo iniciado pela Organização dos Estados Americanos (OEA) para investigação da morte do jornalista Vladimir Herzog em 1975. Em coluna do mesmo jornal, o editor Renato Ferraz afirmou que é preciso encontrar os desaparecidos do período de regime militar e punir, com bom senso, os contraventores, seja eles militares ou civis da época. Ferraz fez referência ao recente protesto como um sinal do início de ações em favor da justiça. Além disso, o editor mencionou com indignação o manifesto publicado, em fevereiro de 2012, por reservistas vinculados ao Clube Militar, em que a presidente da República, Dilma Rousseff foi criticada por não repreender a ministra da Secretaria dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, que defendera a possibilidade de processar judicialmente os repressores do regime militar. Ainda no Correio, o subeditor Paulo Silva Pinto destacou a manifestação como prova de que os problemas dos abusos do regime militar ainda não foram sanados para a população brasileira. Pinto afirmou que a presidente, Dilma Rousseff, acertou, portanto, ao instaurar a Comissão da Verdade que tem por objetivo reescrever a história de forma mais transparente. O autor relembrou o fato de que as investigações produzidas podem subsidiar a abertura de processos judiciais contra os abusos criminosos; mesmo assim, Pinto considerou que essa aparentaria ser uma tarefa excessiva para a Comissão, uma vez que ela tem por finalidade “sanar uma doença institucional de cinco décadas”. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso foi relembrado também por ter reconhecido a responsabilidade do Estado pelos desaparecimentos e assassinatos do período, o que possibilitou o pagamento de indenizações às famílias das vítimas. Em coluna opinativa no O Estado de S. Paulo, o tradutor e um dos organizadores da obra de Gramsci no Brasil, Luis Sérgio Henriques, trouxe a tona uma discussão diferente. Henriques julgou essencial a tarefa até então institucionalizada da Comissão da Verdade, ou seja, aquela de pesquisa e escrita da história, mas chamou a atenção para algumas normativas. Os componentes desse colegiado devem ser pessoas íntegras e imparciais, uma vez que a realidade democrática deve contar com as várias narrativas dos múltiplos atores, sem considerar, portanto, a existência de apenas uma verdade incontestável. Além disso, o tradutor destacou que parte da esquerda tentou refrear a violência do regime militar com violência e que essa prática acabou por endurecer o próprio regime. Nesse aspecto, ressaltou que a Comissão deveria ter um papel na organização da esquerda nacional: para Henriques a esquerda deve elaborar uma cultura de paz e a vida democrática deve ser o mecanismo utilizado para combater as violências e tensões existentes na sociedade. Já no dia 01/04/2012, Elio Gaspari, jornalista e escritor ítalo-brasileiro, publicou por meio da Folha de S. Paulo sua opinião sobre a Comissão da Verdade. Uma Comissão que pode, segundo ele, desmontar quase meio século de mentiras, durante um governo que, em suas palavras, “busca o bloqueio da lembrança”. Para Gaspari, o reconhecimento da responsabilidade do Estado nos crimes ocorridos durante o regime militar não é suficiente, restaram perguntas a serem explicadas, como por exemplo, o suposto desaparecimento de vários guerrilheiros e oposicionistas, sem, ou com pouquíssimas, constatações de mortes. (Correio Braziliense – Opinião – 31/03/12; Correio Braziliense – Política – 31/03/12; Folha de S. Paulo – 01/04/2012; O Estado de S. Paulo – Espaço Aberto – 31/03/12)

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