Conforme publicado nos periódicos Correio Braziliense,
Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo, a CNV apresentou, após dois anos e
sete meses de trabalho, o relatório final com 4.328 páginas, divididas em 3
volumes, apontando e esclarecendo casos de graves violações de direitos humanos
entre 1946 e 1988. O trabalho possui ainda 29 recomendações – que não possuem
valor legal – divididas em três grupos, sendo eles as medidas institucionais,
as reformas constitucionais e legais e as de seguimento das ações da CNV. O
relatório constatou 434 mortos e desaparecidos, sendo que, dentre estes, 210
continuam desaparecidos; 377 agentes do Estado foram considerados responsáveis
pelas violações de direitos humanos no período compreendido entre 1946 e 1988,
sendo 361 agentes no período do regime militar (1964-1985). Entre os
considerados como responsáveis estão os cinco ex-presidentes da República do
período do regime – Humberto Castelo Branco; Artur da Costa e Silva; Emílio
Garrastazu Médici; Ernesto Beckmann Geisel e João Figueiredo –, além de
militares e civis, como médicos e diplomatas, acusados de envolvimento direto
nas violações. Isso implica, segundo os jornais, que o relatório sustenta que
crimes como tortura, detenções ilegais, violência sexual, execuções sumárias,
ocultação de cadáver e desaparecimento forçado de opositores políticos eram
institucionalizados, sendo uma política de Estado, e eram do conhecimento da
totalidade da linha de comando, não sendo uma prática isolada e esporádica. O
documento apontou a tortura como um método de coleta de informações ou de
obtenção de confissões que se tornou “a essência do sistema militar de
repressão política”. A CNV afirmou que chegou a retirar nomes da lista de
acusados de modo a constar apenas aqueles cujos crimes cometidos tiveram provas
consistentes e inquestionáveis. O colegiado recomendou ao Estado brasileiro que
os acusados pelas violações sejam responsabilizados juridicamente, do ponto de
vista civil, criminal e administrativo. Ademais, a questão da Lei de Anistia
(1979) foi abordada no relatório de forma extensa. Embora não demande
explicitamente a revisão da legislação, por não haver unanimidade entre os
membros do colegiado sobre o assunto, a CNV recomendou a sua não aplicação por
não ser condizente com o Estado democrático de direito. Além disso, de acordo com
a Folha, o relatório indica que os acusados pelas violações não podem se
beneficiar da Lei da Anistia, pois torturas, morte e desaparecimentos ocorridos
durante o regime são considerados crimes contra a humanidade, possuem caráter
permanente, e, portanto, são passíveis de serem julgados. Segundo os
periódicos, o relatório fez sugestões acerca da desmilitarização das Polícias
Militares estaduais e da revogação da Lei de Segurança Nacional, datada de
dezembro de 1983, consideradas “resquícios da ditadura”. Segundo a Folha, não
ficou claro se o reconhecimento das vítimas apontadas no relatório ocorrerá
automaticamente ou se o Estado brasileiro precisará referendá-los. No que se
refere a eventuais indenizações, familiares dos mortos e desaparecidos
necessitarão entrar com processo na Comissão de Anistia do Ministério da
Justiça. Ainda de acordo com a Folha, o relatório abordou o papel dos órgãos de
imprensa do Brasil no capítulo sobre apoio civil à tomada de poder pelos
militares em 1964. Neste são citados os jornais O Estado, O Globo e a Folha como
apoiadores do ocorrido e entre os nomes mencionados está o ex-diretor do jornal
O Estado de S. Paulo, Júlio de Mesquita Filho, como um dos articuladores, e do
publisher do jornal Folha de S. Paulo, Octavio Frias de Oliveira. A Folha
publicou um editorial intitulado “O Brasil continua”, do dia 03/04/1964,
interpretado como um “apelo ao golpe”. Além disso, o jornal foi apontado como
um dos financiadores da Operação Bandeirante (Oban) e acusado de ceder veículos
à repressão. A Folha afirmou que apoiou a tomada de poder pelos militares como
quase toda a grande imprensa. Em relação ao editorial, afirmou que defendia “a
eleição de um novo presidente pelo Congresso para concluir o mandato de Jango
[ex-presidente da República João Goulart, deposto em 1964] e assegurar a
preservação da Constituição”. Quanto ao financiamento da Oban, o periódico
negou que tenha participado e declarou não haver documentos ou testemunhos de
que tenha cedido veículos a órgãos de repressão. De acordo com O Estado, o
relatório da CNV mostrou também a dificuldade na busca de restos mortais dos
desaparecidos políticos, pois de uma lista com 211 nomes, apenas um foi
localizado. Nesse sentido, a CNV recomendou a criação de um órgão de governo
que dê continuidade ao trabalho. O coordenador da CNV, Pedro Dallari, afirmou
ser esse um “relatório circunstanciado”, porém “não representa nem o começo nem
o fim da investigação. Só foi possível começarmos por termos as sistematizações
de vítimas, locais, autores, em documentos anteriores. Procuramos fazer o
melhor possível para acrescentar informações”. Dallari declarou ainda que, com
o relatório disponibilizado na internet, passa a existir uma plataforma de
pesquisa para que a sociedade civil, familiares e universidades aprofundem o
material. A CNV pediu que as Forças Armadas reconheçam a responsabilidade
institucional pelos crimes cometidos durante o regime militar. (Correio Braziliense – Política – 11/12/14;
Folha de S. Paulo – Poder – 11/12/14; O Estado de S. Paulo – Política –
11/12/14)
Nenhum comentário:
Postar um comentário