domingo, 10 de junho de 2012

Ex-agentes da repressão do regime militar ainda atuam em serviço público e serão investigados pela Comissão da Verdade paulista

Conforme noticiado pelo jornal Folha de S. Paulo, um levantamento realizado pela Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos de São Paulo, que cruzou listas de torturadores da época do regime militar (1964-1985), elaboradas por organizações de defesa dos direitos humanos, com os nomes dos policiais em ativa do estado de São Paulo, mostrou que dois dos acusados de atuar como “agentes da repressão” continuam a trabalhar no serviço público. São eles o delegado da Polícia Civil de São Paulo, do Departamento de Investigações sobre Crime Organizado, Carlos Alberto Augusto, e o integrante da Polícia Civil do estado que atua em um “cargo burocrático” na seccional da cidade de Presidente Prudente, Dirceu Gravina. Segundo a Folha, Augusto é ex-agente do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), acusado de envolvimento em desaparecimentos e torturas, destacando-se sua participação na organização do massacre da chácara São Bento em 1973, onde seis militantes da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) foram executados. Durante sua permanência no Dops, entre 1970 e 1977, o atual delegado foi chefiado por um dos nomes mais associados às mortes e torturas do regime militar, o falecido delegado do DOPS, Sérgio Paranhos Fleury. Em entrevista ao jornal, Augusto disse que “Fleury é um verdadeiro herói nacional”. No episódio de São Bento, trabalhou como agente duplo infiltrado na VPR, juntamente com o cabo José Anselmo dos Santos, seu amigo próximo. Apesar de admitir ter participado da logística da operação, o delegado nega ter atirado nos militantes, afirmando que somente cumpriu com seu “dever funcional”, sem participação em nenhum crime. Testemunhos de presos políticos alegam que Carlos Alberto Augusto também estaria envolvido no desaparecimento do ex-marinheiro Edgard Aquino Duarte, ocorrido em 1973, que segundo o dossiê Direito à Memória e à Verdade, elaborado em 2007 pela Presidência da República, desapareceu após marcar um encontro com o cabo Anselmo dos Santos. Já Dirceu Gravina foi membro do Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) de São Paulo  e também citado em casos de tortura e suspeita de envolvimento na morte de presos políticos. Em seu período de atuação no DOI-Codi serviu ao coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra, também um dos mais notórios ex-agentes da repressão e considerado torturador pela Justiça. Gravina e Ustra foram denunciados pelo Ministério Público Federal pelo sequestro qualificado do bancário e sindicalista Aluizio Palhano, em 1971, ação que foi rejeitada pela Justiça. Os ex-presos políticos detidos no DOI-Codi de São Paulo, Altino Dantas e Lenira Machado, denunciaram Gravina formalmente pela morte de Palhano, alegando morte após tortura com o consenso de Ustra. Segundo o jornal, o grupo Tortura Nunca Mais também aponta Gravina pelas mortes de Lauriberto Reyes e Alexânder Verões, ocorridas em 1972. Por fim, o atual deputado do estado de São Paulo e presidente da Comissão da Verdade paulista, Adriano Diogo, afirmou que Dirceu Gravina o prendeu em 1973 e o agrediu fisicamente. A Folha publicou ainda que Augusto e Gravina negaram participação criminal, porém ambos são alvo de investigações pela Comissão da Verdade paulista, órgão instalado em fevereiro de 2012 pela Assembleia Legislativa a fim de investigar torturas, mortes e desaparecimentos ocorridos no estado de São Paulo. O presidente da Comissão paulista adiantou que pedirá afastamento dos dois delegados “para mostrar aos jovens oficiais que a tortura não é compatível com a atividade policial”. Militares da reserva e ex-policiais criticaram a imparcialidade de Diogo, uma vez que este é ex-preso político e investiga seu possível torturador. A Comissão da Verdade paulista difere da Comissão da Verdade nacional no período estudado, pois investigará atos ocorridos somente no período do regime militar, ou seja, os anos de 1964 a 1985, enquanto a segunda investigará violações de direitos humanos de 1946 a 1988. A Folha apontou também que nos próximos anos a Comissão da Verdade nacional também analisará a atuação dos agentes paulistas e que a parceria entre as duas comissões já foi firmada. O advogado José Paulo Cavalcanti Filho, membro da comissão nacional, disse que “as investigações estaduais são fundamentais para municiar o trabalho federal”. O debate acerca de Augusto e Gravina levantou a questão sobre a legitimidade de agentes acusados de crimes aos direitos humanos continuarem a trabalhar para o Estado democrático. O diretor do Instituto Brasil no King's College, na cidade de Londres, na Inglaterra, Anthony Pereira, destacou que “se a Polícia Civil tem dois torturadores, isso é nocivo do ponto de vista do Estado de direito” e também que “a Lei da Anistia não entraria nessa questão porque trata de responsabilidade criminal, e não de permanência em cargos públicos”. (Folha de S. Paulo – Ilustríssima - 27/05/12)

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