Em entrevista ao
periódico Correio Braziliense, o Comandante do Exército, general Eduardo Dias
da Costa Villas Bôas, afirmou que, se essa situação
permanecer, as empresas envolvidas em projetos estratégicos, como o do blindado
Guarani, não terão condições de mantê-los. O risco imediato é que com o ritmo
dos cortes do orçamento, o ciclo de implantação já estará obsoleto antes de ser
concluído. O Comandante atribui a dificuldade no corte orçamentário à crise
econômica no país, pois o Exército tem consciência da realidade das pessoas,
tendo a Força passado um tempo no conjunto de favelas da Maré, na cidade do Rio
de Janeiro. Porém, considerou Villas Bôas que o Ministério da Defesa fez um bom
trabalho no processo de negociação do orçamento, pois foi um trabalho intenso e
consistente que conseguiu preservar programas, apesar dos problemas econômicos.
O general declarou ainda que o Exército atravessou 30 anos de penúria
orçamentária e, com isso, adaptou-se, mas que perdeu capacidade de pensar
estrategicamente, em longo prazo. Essa série orçamentária declinante, de acordo
com Villas Bôas, reverteu-se com o governo do ex-presidente da República Luiz
Inácio Lula da Silva e o marco foi quando pediu ao então ministro da Defesa,
Nelson Jobim, que colocasse a defesa na pauta de discussão nacional. Jobim,
juntamente com o ministro-chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos, Mangabeira
Unger, elaborou uma Estratégia Nacional de Defesa (END), pois “pela primeira
vez, o poder político disse aos militares qual era a concepção de Forças
Armadas, o que entendiam como necessário para o Brasil”. O Comandante ressaltou
que os recursos das Forças Armadas devem ter previsibilidade e regularidade e
outra mudança importante diz respeito aos projetos estratégicos. Ademais, com a
END foi possível fazer uma reestruturação interna do Exército para gerenciar
sete projetos estratégicos. Essa reestruturação, segundo Villas Bôas,
iniciou-se quando, após a Organização das Nações Unidas (ONU) solicitar ao
Brasil que dobrasse seu efetivo na Missão das Nações Unidas para a
Estabilização no Haiti (Minustah), no ano de 2010, por ocasião do terremoto
naquele país, custou três semanas para o Exército conseguir reunir um batalhão
para enviar àquele país. O general considerou tal fato inaceitável, pois a
capacidade de mobilização deveria ser de 24 ou 48 horas. Com respeito à
presença do Brasil no Conselho de Segurança da ONU, Villas Bôas afirmou que um
país que pretende atingir o patamar de liderança regional e de membro
permanente do conselho, precisa “ter capacidade de fazer o que se chama de
projeção de poder”, ou seja, é preciso ter presença política, econômica e
diplomática, capacidade de influência, tendo o respaldo de uma capacidade de
presença militar, o que pressupõe projeções de força. Para o Comandante, com as
projeções que se tem no cenário atual, tudo o que foi concebido estará obsoleto
antes de 2035. Declarou ainda que o Brasil, em pleno século 21, possui metade
de seu território não ocupado, integrado ou articulado, com a população não
tendo infraestrutura social e econômica para atender suas necessidades e a
única capacidade para tal está nas Forças Armadas, exigindo sua presença
espalhada pelo território. Assim, há dificuldades em adquirir qualidade, mas
manter a quantidade. Com relação ao emprego das Forças Armadas em funções
sociais, Villas Bôas declarou que existe um polo que defende que o Exército e
as Forças Armadas devem destinar-se apenas à defesa do país e outro que defende
que “o Exército virou uma empresa de prestação de serviços”. Porém, de acordo
com o general, “o que se vê na tendência mundial é que as Forças Armadas têm de
estar em condições de atender às demandas da população”. Sobre a questão dos
salários no Exército, Villas Bôas considerou este um problema grave, pois a
redução dos recursos para pagamento de pessoal nas Forças Armadas foi maior do
que em outros setores, e isso aumenta a frustração interna, intensificando a
evasão para os setores de mercado, como as áreas técnicas, de engenharia e
saúde. Em relação ao problema do narcotráfico, Villas Bôas afirmou que o
considera como a maior ameaça à segurança do país, pois o Brasil possui uma
fronteira de quase 17 mil quilômetros e um país vizinho que é produtor de
cocaína e maconha. O comandante declarou ainda que o Exército está muito
preocupado pela iminência de que o Brasil se torne também produtor de cocaína,
“porque isso altera nossa posição, juridicamente, no ambiente internacional”.
Sobre o narcotráfico na Amazônia, o general afirmou que este ainda é pouco
organizado, mas que as grandes organizações criminosas de São Paulo e Rio de
Janeiro estão chegando à região, uma vez que na fronteira com os países
vizinhos já se detectou a presença de cartéis internacionais, com caráter
violento e grande capacidade de contaminação de instituições. Além disso,
afirmou que junto ao problema das drogas há o das armas, considerando-o uma
questão que está se agravando, estando o crime organizado em poder de armas
cada vez mais sofisticadas e potentes. Quando questionado a respeito da
preocupação do Exército com a crise política no Brasil, o general declarou que
há uma atenção da corporação, mas que a instituição cumprirá o que a
Constituição estabelece, pois o Brasil possui instituições muito bem
estruturadas e sólidas, que cumprem suas tarefas, dispensando a sociedade de
ser tutelada. Sobre as manifestações que defendem a intervenção militar, afirmou
que “estamos preocupados em definirmos para nós a manutenção da estabilidade,
mantendo equidistância de todos os atores”. Segundo Villas Bôas, o Exército é
uma instituição de Estado e não pode se permitir a um descuido e provocar
instabilidade. O segundo fator é a legalidade, ou o respaldo pelas normas em
todos os níveis, e o terceiro, a legitimidade, que o Exército possui por atuar
apenas na legalidade e dessa legitimidade vem da coesão do Exército que, com
isso, cumpre bem seu papel. Ademais, o Comandante afirmou que não há nenhuma
possibilidade de os militares virem a tomar o poder novamente no Brasil, pois o
que os baliza é o que está na Constituição, e declarou que não há ameaça de
ruptura institucional no país. Com relação à defesa cibernética, Villas Bôas
considera esta uma área extremamente preocupante e “é um processo que tem de
estar em permanente evolução”. Por fim, o general considerou que corre-se o
risco de uma nova Guerra Fria, porém numa confrontação de caráter econômico,
cuja ferramenta é a questão ambiental,
onde deixa-se tomar por um pensamento politicamente correto que impede que
aflorem soluções concretas para os problemas do país. Assim, para o Comandante,
é preciso ter o mínimo de pragmatismo para voltar a construir o país, pois além
de não haver um sentido de projeto, deixou-se dominar pelo pensamento
politicamente correto que dificulta, por exemplo, o combate à criminalidade no
Brasil. Deste modo, considera que o erro do politicamente correto é, por um
lado, a presunção de que o criminoso é, de alguma forma, sempre uma vítima da
sociedade, e por outro, é que se perdeu muito a disciplina social, ou seja, o
conceito de autoridade presumida que tem um professor quando entra na sala de
aula, por exemplo. Segundo Villas Bôas, “a presença do professor deveria
estabelecer, automaticamente, regras de comportamento para que o funcionamento
da sala de aula se viabilizasse” e a isso atribui o fato das pessoas pedirem a
volta do Exército ao poder. (Correio Braziliense – Política – 27/09/2015)
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