De
acordo com o jornal Correio Braziliense, existe uma lacuna na identificação dos
locais onde houve repressão durante o regime militar (1964-1985), destacando
ainda que poucos moradores de Brasília, capital federal, conhecem os episódios
de repressão que ocorreram na cidade. Assim como muitos desconhecem os prédios
que serviram de espaço de detenção e tortura, hoje incorporados à dinâmica
democrática da cidade, os locais que serviram para organização da resistência,
como moradia estudantil, repúblicas de estudantes e apartamentos de professores,
também passam despercebidos. Segundo o Correio, somente as cidades de São Paulo
e do Rio de Janeiro possuem catálogos com os endereços utilizados na prática da
repressão durante o regime militar, e tal como Brasília, outras capitais
brasileiras também escondem locais de violência durante o regime militar.
Daniel Faria, professor de história da Universidade de Brasília (UnB) e
integrante da Comissão Anísio Teixeira de Memória e Verdade da instituição,
explicou que Brasília funcionou como um local estratégico na linha de comando
militar, justamente por isso a disponibilidade de informações sobre o período é
dificultada. A alegação de várias instituições de que grande parte dos
documentos foi destruída mostra que a Lei de Acesso à Informação Pública ainda
não atingiu o objetivo esperado. Rosa Maria Cardoso da Cunha, integrante e
coordenadora de grupos de trabalho da Comissão Nacional da Verdade, ressaltou a
necessidade de aprofundar as pesquisas a respeito dos locais de repressão, com
enfoque especial em Brasília. Com tal finalidade, iniciou-se uma pesquisa que
parte dos casos mais graves para encontrar conexões com as cadeias de comando,
traçando assim um mapa da repressão na cidade. Em relato ao Correio, Alexandre
Ribondi, ex-aluno da UnB e teatrólogo, contou que em 1973, enquanto fazia
faculdade de jornalismo e trabalhava em um jornal, foi enviado ao campus da
universidade para produzir uma matéria. Dentro do campus foi abordado por um
homem armado que o encapuzou e o levou de carro para um local não identificado,
onde foi posteriormente torturado. Ribondi afirmou ter perdido a noção do
tempo, mas acredita ter passado cinco dias sofrendo “choque, soco na barriga,
varetadas na canela, insultos, tortura psicológica”. Ele se lembra que o local
era espaçoso e que o badalar de sinos era ouvido com frequência. Ribondi, que
nunca teve uma acusação formal para justificar sua prisão, foi libertado onde
atualmente está localizado o estacionamento do Conjunto Nacional. Pouco antes
de ser libertado, o teatrólogo diz ter ouvido a voz de um homem que dizia
“mande um abraço para o seu irmão. Gosto muito dele”. Meses depois, ouviu
alguém conversando com o irmão e reconheceu a voz do homem que o libertara.
Anos mais tarde, em 2006, Ribondi também reconheceu a garagem do Ministério da
Marinha, de onde era possível ouvir o badalar de sinos, como o local onde fora
torturado. O episódio foi relatado em depoimento à Comissão da Verdade do
Sindicato dos Jornalistas do Distrito Federal. De acordo com o jornal, pelo
menos quatro depoimentos à comissão do Sindicato dos Jornalistas mencionam
prédios da Esplanada dos Ministérios como locais de prisão e tortura. Segundo
Hélio Doyle, integrante do referido Sindicato, os relatos serão enviados à
Comissão Nacional da Verdade para que sejam conduzidas investigações
detalhadas. Ainda segundo o Correio, forças policiais utilizavam locais não
oficiais para realizar interrogatórios e torturas para que tais atos “fossem
ainda menos passíveis de questionamentos”. O professor Cristiano Paixão,
coordenador da Comissão Anísio Teixeira de Memória e Verdade da UnB, afirmou
que, apesar de ainda não haver nada concreto a respeito, é possível que o
governo militar tenha utilizado locais clandestinos para a prática de tortura,
pois considera isso como uma característica presente em outros estados do país
que pode ter se repetido em Brasília. Ainda de acordo com Paixão, havia núcleos
mais ou menos autônomos tanto nas Forças Armadas quanto nas forças policiais no
Brasil, porém, ainda não há indícios de tal fato em Brasília. Segundo o
Correio, o cruzamento de depoimentos com os documentos do Arquivo Nacional pode
permitir um aprofundamento sobre o tema, aproveitando-se também a parceria
firmada com o Ministério da Justiça para acessar os arquivos da Comissão da
Anistia, pertencente à pasta. Ainda de acordo como jornal, existem histórias em
Brasília de que as margens de um importante ponto turístico da cidade, o Lago
Paranoá, foram utilizadas para as práticas de interrogatório e tortura,
inclusive com ameaças de jogar as vítimas de cima da Ponte Costa e Silva com
pedras amarradas no corpo ou de fuzilá-las em áreas do cerrado. (Correio
Braziliense – 20/10/13; Correio Braziliense – 21/10/13; Correio Braziliense –
23/10/13)
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